terça-feira, 7 de novembro de 2017

Pai

Se o meu pai soubesse que ia morrer (sabia, seguramente, mas nunca acreditou), se eu soubesse que ele ia morrer (sabia, seguramente, mas quando acreditei já não nos conseguíamos ouvir) e eu e ele nos dessemos a essas coisas (que não dávamos! Falar de coisas tristes nunca foi o nosso forte. Continua a não ser o meu…) o que diríamos um ao outro? Eu tinha 18 anos. Dir-me-ia que acreditava em mim? Que eu ia ser feliz? Que a vida era maior do que o que eu conseguia, naquele momento, alcançar? A ultima vez que choramos juntos foi num dia do pai. Eu e a minha irmã demos-lhes um postal de amor, ele leu e chorou. Foi o ultimo que lhe demos. Também choramos juntos quanto ele recebeu os resultados de um exame e mo contou. Acho que foi a única vez que choramos realmente juntos, num abraço. Também não eramos dados ao choro ou a manifestações de fragilidades. Eramos e eu continuo a ser, eternos otimistas. Chorar sobre o que ainda não é certo, nunca fez sentido para nós. A queixa, o lamento, as dores, também nunca foram coisas que gostássemos de partilhar. Portanto, sofremos a doença e a expectativa da morte, em silencio. Em esperança. Em milagre (que não aconteceu, naturalmente. Mas continuo, não percebo como, a acreditar. Cada vez menos, mas ainda a acreditar). Gosto de pensar que me diria que gosta de mim. (isso eu sabia, sempre soube, um amor infinito, demonstrado todos os dias. Nisso, amar incomensuravelmente os filhos (as filhas) era mesmo bom. Eu também) Outro dia, encontrei um amigo dele. Olhou para mim com lagrimas nos olhos. Olhou para os meus filhos, como lágrimas no coração. Disse-me que tinha saudades do meu pai. Passados 30 anos, continua com saudades. Era boa gente ele. Dir-me-ia que gostava de mim. Que eu protegesse a minha mae e a minha irmã. Que amasse a vida como ele amava. Que fosse feliz como ele era. Que lutasse como ele lutou. Que encontrasse um bom marido. Que fosse capaz de criar bons filhos. Que sempre que caísse, me levantasse. Que fizesse o bem. Que fosse imensamente feliz na vida que escolhesse para mim. Que fosse, como ele, boa gente. Se o meu pai soubesse e acreditasse que ia morrer, ter-me-ia dito que tudo, no fim, acaba bem. E que não acaba bem, é porque ainda não chegou ao fim (não era brasileiro, mas nisto, bem podia ser). Não disse, mas eu sei que era o que queria dizer. E acredito.