Ontem cheguei a casa e estava lá uma caixa. Tinha, lá dentro, as memórias da minha Avó de que a minha prima A. nao conseguiu libertar-se. Um xaile, uns chinelos, o crixifixo que estava em cima da cama dela, alguns exames, cartas, fotografias.
Entre estas memorias, o cheiro dela. Cheiro a trança impecavelmente arranjada num puxo, cheiro a uvas americanas, a pastelões de sardinhas e a morcela. A refresco de café e a laranjas no quintal. Cheiro à minha prima A., de quem tenho milhões de saudades, com uma fotografia daquele passeio a Fátima onde estamos as tres primas, de corações cheios de esperança. Cheiro à musica dela, aos posters na parede, aos seus rissois, ao seu pudim frances, ao riso, aos telefonemas sem motivo. E cheiro ao meu pai. à letra dele, às palavras em cartas mais que antigas, cheiro ao cabelo dourado e olhos de um verde que nao sei dizer. Cheiro a manhãs de domingo felizes, a almoços e jantares de familia, aos primeiros filmes no cinema, o Bambi, o Popey, ao águia de Douro e a croissants na esplanada do magestic.
Cheiro a mim menina, de cabelo amarelo e fato azul turquesa, feliz como sempre soube ser.
E são estes os cheiros que, muito embora me enchendo o coração de saudade feliz, lhe trazem, arrastam, em si, os buracos que nenhum outro cheiro consegue preencher