O que é que nos faz dar tudo de nós aos nossos filhos sem
pedir nada em troca? O que nos faz amá-los sem condições ou limitações?
Não sei. Não sei porque é que amo os meus filhos assim. Sei
que os amo e pronto.
Sei que aceito as suas imperfeições, as suas incongruências,
as suas birras e mau feitio matutino, as suas infantilidades, sem nunca, nunca,
os amar menos. Sei que resmungo e que perco a paciência mas em momento algum
deixo de ter o mesmo amor, a mesma atitude, a mesma entrega.
Lembro-me de ter sido criança. Lembro-me tão bem de ter sido
criança…
De ter manhãs na cama a brincar com o meu pai, de ter a
minha mãe a contar-me historias por ela inventadas horas a fio até adormecer.
Lembro-me de, já bem grandinha (muito grandinha até), a minha mãe continuar a
levar-me (a mim e á minha irmã), o pequeno almoço à cama. Lembro-me do meu pai
andar, muito, muito doente, a calcorrear as ruas de santa catarina á procura,
comigo, de umas calças de ganga que ele, quase a morrer e a receber subsidio de
desemprego, pudesse pagar, sem se preocupar com a minha estupida vaidade e egoísmo.
Lembro-me de nunca ter feito a minha cama. Lembro-me de inventar que tinha
muito de estudar para não limpar o pó ou outra coisa qualquer. Lembro-me dos
olhos imensamente orgulhosos e doces do meu pai a ver-me na serenata com um
traje que ele não comprou, porque me foi oferecido, mas que compraria nem que
para isso tivesse de deixar de tomar medicamentos. Lembro-me dos vestidos que a
minha mãe me fazia e dos sapatos que me comprava, mesmo que a roupa e sapatos
delas estivessem quase rotos.
Lembro-me que, da nossa comida, a melhor era sempre para
mim. Lembro-me de o meu pai me levar, sempre a pé, aos ensaios do grupo coral,
todas as quartas feiras á noite, mesmo em noites de muita chuva e vento, e de
ficar sentado, á minha espera, até que acabasse.
Lembro-me que, fizesse eu o que fizesse, fosse eu quem
fosse, nunca deixaram, nem deixariam de me amar. Nunca os meus pais me exigiram
nada, nunca me pediram nada.
Este é o exemplo que eu tenho. É este o único exemplo que
posso e quero seguir.
Não quer isto dizer que haja falta de regras lá em casa. Com
6 e 8 anos já poem a mesa, levam o lixo
á rua, levantam a mesa, tomam banho sozinhos, arrumam a sala quando a
desarrumam, vestem-se sozinhos de manhã. Há regras, sim. Colaboração essencial à
coexistência de uma família com três crianças. Temos, todos, o nosso papel. O deles,
apenas de filhos. Que merecem nada menos do que eu tive. Também não precisam de
mais. Basta o que eu tive, que fui uma criança imensamente amada e feliz. Sei
que foi essa infância feliz e equilibrada que me permitem ser hoje uma adulta feliz
e equilibrada. Sem neuras, sem dramas. Com serenidade suficiente para encarar
sempre o presente e o futuro com esperança, com alegria. E com memória do que
fez crescer assim.