Como sobrevive um casal a tres filhos?
Ontem, demos por nós, a olhar para dentro de nós, e a verbalizar: que família
ruidosa somos!
Chegamos a casa e temos dois trabalhos de casa (ou três, que
o pequenino já traz “trabalhos de casa preparatórios para o primeiro ano que aí
está a chegar”) para acompanhar. Todos os dias, trabalhos de casa de matemática,
estudo do meio ou português, mais dois dias de ingles e mais um dia da semana
musica.
Não fazemos os trabalhos. Acompanhamos, corrigimos, mas isso
também demora tempo. E despende energia.
Jantar a seguir. Quem está na mesa, quem não está. Se já
lavaram as mãos, que não gostam de legumes, que aquela comida hoje até nem
apetecia muito, quem está na mesa, quem não está. Que não se podem ver desenhos
animados ás refeições, para podermos conversar. Então brinquedos. Não, não se
podem ter brinquedos em cima da mesa. Quem está na mesa, quem não está. Mais novo
a fazer caretas ao m. m. a não gostar. Empurrão ao irmão, que se ri e deita o
copo ao chão. Apanha o copo, talheres caem, afinal não querem água, vao fazer
sumo. Quem está na mesa, quem não está. Quem come, quem não come. Depois,
pratos no lava loiça e subirem, os três, as escadas, para o banho.
Hoje não quero ser o primeiro. Tenta trocar com irmãos, que não
cede, vai para a banheira o primeiro. Sai da banheira, entre o próximo, com o
primeiro a lavar os dentes. Sai o segundo, entra o terceiro, com o segundo a
levar os dentes, sai o terceiro, vai lavar os dentes, vestem os outros o
pijama.
Cama. Quem está na cama, quem não está. Falta um livro. Vao escolher
um livro. Trocam de livro, vao buscar outro, mais um urso de peluche, mais o
jogo para o dia seguinte, mais outro livro que um não chega. p. quer o livro do
j., que lhe foi oferecido a ele. J. quer o livro para ele, porque em casa tudo
se partilha e o que interessa é quem quer primeiro, não de quem é. Todos amuados,
na cama. Prepara roupa para o dia seguinte. Não esquecer do uniforme de uns,
roupa e bata de outro, mochila com lanche, mochila para a natação. j. não quer
a camisola cor-de-rosa que é de menina, m. não gosta do lanche, p. continua a
querer o livro do j.
Troca roupa, troca mochila, tentando não esquecer de nada e
já com paciencia nula.
Filhos na cama, hora do conto. Conto eu ou contas tu? Contamos
os dois, revezamo-nos, estourados, já só á espera de dormir. Três historias,
das grandes, para demorarem muito!
Só mais um abracinho e um beijinho e fica mais um bocadinho
aqui na minha cama.
E ficamos. Tentamos não adormecer, ir para a nossa casa, o
nosso cantinho, perceber que somos gente, que também existimos para além deles.
Estás aí? Vem para cá.
Como sobreviver a três filhos?
J
Pois! Com a certeza de que existimos, neles mas também para
além deles. Somos uma família, a cinco, e somos um casal, naquele bocadinho e noutros, em que nos
encontramos.
Às vezes olho para o P. e questiono-me se não pensará em que raio de filme se veio
meter. Solteiro e bom rapaz, mais novo, sem filhos, sem experiencia com
crianças, apanhou com três em cima, de uma só vez, sem tempo sequer para se
adaptar á ideia de ser pai.
Mas olho-o melhor e sei que ainda que pense nisso, está ali.
Não desiste. Cansado e com dores de costas, não deixa de contar uma história,
de acompanhar os trabalhos, de ver se os dentes estão bem lavados, de perguntar
se o dia correu bem. Ainda que pense que ás vezes é uma responsabilidade demasiado
grande, nunca é grande o suficiente para desistir deles, para desistir de nós.
E essa confiança que temos uns nos outros, faz da nossa família, muito mais que
ruidosa, uma família feliz.