segunda-feira, 12 de agosto de 2013
A casa da minha avó cabia, bem medida, no espaço do meu quarto.
Era uma casa numa ilha - aqueles conjuntos habitacionais de muitas casas, em corredor, bem pequenas e humildes que ainda existem algures pelo Porto – com casa de banho cá fora, com descargas a baldes de água.
A cozinha tinha um fogão, um pequeno armário e um lava-loiça que mais não era que uma bacia em cima de um mini balcão de pedra com uma torneira em cima. Não havia àgua quente e tomava-se banho numa bacia grande, na sala (no quarto só cabia a cama e um guarda-fatos), com água aquecida no fogão a gás.
Tudo o que lá era dito era ouvido na casa do lado direito, na casa do lado esquerdo e, com um bocadinho de sorte (ou não, dependendo da conversa), nas casas que ficavam por trás. E, também por isso, volta e meia tínhamos lá uma vizinha fugida do marido, cujo divertimento, quando bebia demais, era espancar a Mulher.
E era, se querem saber, um verdadeiro paraíso!
Dei por mim a pensar nisso este fim de semana.
A casa da minha avó era um paraíso!
Tinha vizinhos a toda a volta que me conheciam, a mim, aos meus pais e à minha avó, desde sempre, e eu podia entrar e sair da casa deles sem ninguém me acusar de ser atrevida ou mal educada.
Podia ir à mercearia buscar bolachas e dizer para “pôr na conta” da avó;
Podia ir deitar o lixo aos contentores do fim da rua, sem me preocupar com raptos, atropelamentos, más companhias ou afins.
E no S. João, havia uma fogueira partilhada por todos os vizinhos!
A casa era pequena, mas tinha uma soleira grande, onde nos sentávamos nas noites quentes a beber refresco de café e a comer gelados de sumo de groselha feitos no congelador.
E um quintal enorme (aos meus olhos, pelo menos), com uma laranjeira, um limoeiro e um diospireiro de onde vinham (do lado de lá do muro) aviões de papel de admiradores anónimos muito pouco secretos.
Não havia chuveiro, mas tínhamos uma mangueira enorme para banhos conjuntos, em dias quentes de verão.
E tínhamos uma ramada cujas uvas apanhávamos para fazermos a vindima em tardes de passeio pelos telhados das casas vizinhas (e ver tudo, lá do alto, era uma experiencia pela qual, todos os anos, esperava ansiosamente)
Tinhamos, como se pode ver, tudo.
E, mais que este tudo, era lá que estavam as minhas primas. E bem se sabe que quem não tem irmãos e tem primos para brincar nas férias de verão tem mesmo tudo!
Nada de acantonamentos, campos de férias ou actividades programadas. Eramos nós e os dias. E os dias e nós. Brincavamos por prazer, sem planos, sem objectivos. Inventávamos historias, dávamos comida aos gatos, brincávamos com os caes e com as galinhas, fazíamos toalhas de papel recortado, passeávamos pela rua, e víamos o “agora escolha” (que a hora dos desenhos animados era mesmo uma hora - se corresse bem - e não canais exclusivamente dedicados a nós, que ninguém tinha ainda percebido que podíamos ser assim tao importantes!)
E à noite, quando por sorte dormíamos todas juntas na cama com a avó (coisa rara, que os meus pais gostavam mesmo de me levar para casa), havia sempre o sacramental destino:
Quem dorme no meio, tem um sapo no seio. Quem dorme no lado, tem um rebuçado!
(Dúvidas de que era mesmo um paraíso?)
Saudades A.!
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