sexta-feira, 30 de agosto de 2013

No IPO, nada de especial. Tirei sangue e terei de ficar á espra para ver se sou, ou não, “elegível” para o estudo genético. Entretanto, memórias, claro. Lembro-me de pouco da doença do meu pai. Tenho uma capacidade infinita para esquecer coisas de que não gosto, e, independentemente dos processos pseudo-psicologicos de bloqueio que possam aqui estar em causa, a verdade é que isso me dá imensamente jeito. Lembro-me de pequenos episódios. Como o dia em que, sentados no sofá da sala, ele me explicou, com lágrimas nos olhos, que tinha cancro. Lembro-me de o ter ouvido, de o ter abraçado e de nos termos dito que isto ia passar (na altura não tinha, de facto, consciência do poder maléfico da doença). Lembro-me do jantar do dia do pai durante o qual eu e a minha irmã lhe demos um diploma do melhor pai do mundo e de ele ter começado a chorar como um bébé (só depois percebi que ele intuiu que aquele seria o seu ultimo dia do pai). Lembro-me de o ter obrigado a calcorrear as ruas da baixa à procura de umas calças de ganga e de mais tarde ter percebido que fui uma imbecil, que as calças não eram importantes e que aquilo o deve ter cansado de morte). Lembro-me dos lanches na Chicana (acho que é assim o nome, na Rua do heroismo) e da dificuldade que ele já tinha em comer um prego no pao. Lembro-me do dia – noite – em que finalmente entendi que ele ia morrer e das horas que chorei deitada na minha cama, a pensar em tudo quanto ele ia perder de mim e como isso o magoaria, muito mais que a própria morte. Lembro-me de fragmentos do funeral, sobretudo de cheiros e de ruidos. E lembro-me de o acompanhar ao IPO e de bebermos lá, juntos, café com leite e biscoitos, oferecidos pelas voluntárias. Isto para chegar a ontem e ao café com leite e biscoitos. Pedi ao P., que me acompanhou, que me fosse buscar os ditos, tendo-lhe dito: Traz-me também os biscoitos que são optimos! Bem… se calhar, objectivamente, não são biscoitos optimos. Mas eram há 20 anos e foram ontem. Porque são os biscoitos que têm o sabor do meu pai. Bem sei que num local triste e num momento triste, mas têm o sabor dele e dos nossos momentos a dois, ainda que naquele contexto. Têm o sabor das nossas idas e vindas de autocarro, do tempo passado por ele, ali, a ler o jornal, e eu a estudar. Têm o sabor do tempo em que ele ainda existia e é por isso que os biscoitos do IPO, aqueles biscoitos, continuam a ser, para mim, os nossos biscoitos. Meus e do meu pai!

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